Eu me lembro de 19 primos. 

Eram 8 na gostosa Abaeté, mais 6 no bairro Concórdia, 5 no Santa Efigênia. Aproveito para dar nomes a todos: em Abaeté: Nilson, Nádia, Norma, Nelcy, Newton, Ney, Nilo e Neide; na Saudade Nelson Roberto, Newton Antonio, Nilce Márcia, Nelma Lúcia, Nélio Augusto e Nilza Mara; e no Santa Efigênia  Maria Vitória, Orlando, Ronaldo, Maria Selma e Patricia; e nós, as tres Marias: Sylvia, Regina e Christina e o escriba aqui.

Sempre aconteciam encontros, e o caçula aqui, junto com Neide, Patrícia e às vezes Nilo, ficávamos meio de lado. Os mimos dos mais novos sempre causaram ciumeiras e tumultos... fazer o que, a vida é assim.
Meus tios eram peças raras. Senhores e senhoras, no geral divertidos, mas extremamente rigorosos na educação daquele monte de criança  que se espalhava enquanto aguardava pela jantarada. Nem tenho conta das histórias desses tempos.
Tinha um período especial, no entanto. Eram as férias de Janeiro! Era quando o Titivinho (pra gente, porque para todos era o "seu" Nativo) vinha a Beagá e carreava os sobrinhos interessados num descanso na roça. E que descanso!
Era também uma forma de punição para uns primos problemáticos, e claro, eu era sempre um deles. Ah, coitada da minha mãe, achando que me punia me mandava por um mes inteiro para que eu pudesse realizar meus sonhos arrancados das folhas de Monteiro Lobato, dos sonhos irrigados do "Meu Pé de Laranja Lima", e das aventuras de Roy Rogers e Zorro.
Tivinho sabia como dobrar os moleques da cidade. Que o digam primo Nélio (ê saudade), Ronaldo; até mesmo me lembro de uma quebrada de orgulho do hoje e sempre bigodudo Orlandinho.
A casa na cidade - Abaeté das ruas côncavas pelo peso dos caminhões de carvão - era um rebuliço só. Não bastasse os meus oito primos, ainda tinha os primos deles, e o enorme quintal era uma cópia reduzida da fazenda, distante uns 25km. Ali, aprendi a cuidar de pato, galinha, canarinho e correr de galinha d'angola. Como colher ovos e puxar o rabo do galo pra perder o medo... invenção do primo Ney. 
Meu tio nos cativava com uns presentes de grego. Chegava com a gente naquele curral centenário, imenso e apontava para uma vaca, ou um cavalo, dizendo: tá vendo aquele lá? Pois é. É seu! E a meninada só faltava não dormir conversando à noite planejando tirar leite da vaca ou montar no cavalo por horas a fio. A gente acreditava e ele não admitia que nosso sonho se acabasse.
Em Abaeté tive meu serviço militar cumprido antes dos 14 anos. Cresci como pessoa, aprendi a ser responsável. A cuidar do companheiro ao lado, fosse ele o vaqueiro que na verdade era meu tutor, ou meu primo Nilson que montava como meu herói Zorro um gigantesco cavalo negro, empinando e galopando como se não houvesse amanhã.
Na fazenda aprendi que o dia começa cedo. Que leite bom é tirado na hora. Que montar do lado direito do cavalo pode lhe causar surpresas. Andei de carro de boi, afundei no açude numa canoa furada. Vi meu tio matar uma jibóia a tiros. E no aniversário de 80 anos do meu avô, vi meu herói fazendeiro cruzar a ponte inundada e salvar os bobões que não perceberam a cheia e ficaram do outro lado (em tempo de ter de dormir na margem do rio).
Não foram bons tempos. São lembranças que o tempo não apaga. Lá aprendi que meus primos tomaram de assalto meus sentimentos. Me fizeram o mais feliz dos moleques. E lá deixei uma saudade imensa, de tia Alzira e sua paciencia com meus sonambulismos, do tio Oswaldo que parecia um personagem tirado de um filme dos anos 50. Foi lá que minha amizade com Nélio se fez eterna enquanto durou. De lá trouxe ensinamentos que uso até hoje.
Acima de tudo, foi em terras do "tem base?" que fiz minha transição de criança para homem sem passar na adolescencia. E aprendi que tem tios que são tão pais quanto o pai que a gente tem. Meus tios foram assim. Minha tia, nem falo nada.
Fui feliz o bastante para me manter até hoje só com o que vivi por lá.
Doces tempos!

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