Passa pela cabeça muita coisa quando eu busco reviver meu passado. Tanta coisa que nem dá para escrever. As lembranças se tornam um questionamento sem limites, daqueles que fazem até pensar em rever atitudes. E como rever o passado?
Ai eu volto a este rascunho, pego uma frase iniciada e mal acabada num momento em que tudo parece mais conturbado que o normal. A vida vai se acelerando, o tempo correndo mais que as pernas suportam... viver já não é tão simples.
O passado me deu brindes. Surpresas mescladas com aventuras. Sorrisos, lágrimas, tristeza muitas vezes, buscar ser feliz, sempre. Perdi muito, ganhei demais e mesmo assim não me considero satisfeito. 
As perdas materiais deixaram de ser importantes, porque as coisas da alma passam a ser o foco e a principal busca de um momento. E a culpa é sempre do tempo, que transforma em passado até mesmo a palavra que escrevi logo ali. 
Revivo, então, um pedaço de mim: ia eu dirigindo por uma estrada umedecida pela quase garoa, uma chuva fina que molhava pouco o para-brisa do meu carrão recém-comprado. Experimentava o sabor de viajar sozinho, a trabalho, rumo ao Oeste, imaginando chegar em Passos. Não percebi o risco que corria. Nem a saída de traseira do opalão numa curva leve. De repente, estava rodando sobre meu eixo até enfiar a cara num barranco, parando numa valeta larga de escoamento de chuva.
Sei que perdi os sentidos. Não imagino quanto tempo assim fiquei, e quando acordei todo molhado, apenas podia ver o céu. A dor no ombro era insuportável e então vi o policial rodoviário se preparando para quebrar o vidro. Acenei dizendo não. Ele percebeu que não estava morto. E cuidou de providenciar a retirada do carro daquele buraco que travou as portas.
Cada movimento do carro era como se centenas de agulhas se enfiassem pelo corpo. Pensei que estava todo quebrado e por isso tudo doia. Fui levado para o hospital de Formiga e lá descobriram tres costelas quebradas e uma luxação de 2cm no ombro. Descobri o porque da dor, só não entendia porque doia tanto.
Em resumo, minha teimosia me levou a sair do hospital sem alta, apenas enfaixado. Só queria voltar para casa, ver meus pais. Queria minha mãe me xingando, mas cuidando de mim. Enfrentei 4 horas de viagem no opalão empenado, sem faróis e contando com a ajuda de outros motoristas, que me guiavam à frente, devagar e sempre.
Ao chegar em Betim, comecei a pensar não ser uma boa idéia. Ir para casa naquela situação ia ser um risco! Minha mãe, ou morria do coração ou me cobria de pancadas. Não estava pronto para nenhuma das duas situações.
Resolvi ir então para a casa da minha irmã Regina. ela trabalhava no hospital, vai que podia me ajudar. E como fez isso! Me abrigou, cuidou de mim, teve paciencia e foi parceira: não contou a ninguém do meu desastre.
Passei dias por lá, dormindo sentado tamanha a dificuldade de respirar em outra posição. Ela chegava do serviço e ficava conversando comigo, e assim que melhorei um pouco voltei para casa e contei meu acidente. Ai eu já estava de pé, dava para aguentar os possíveis cascudos da d. Nísia. Correu tudo bem, anda bem!
Voltei no tempo e fiquei pensando que tudo que eu passei naqueles dias serviram para me ensinar duas coisas: posso contar com minha irmã - aliás com minhas irmãs - a qualquer momento. E posso, também usar essa passagem para aprender. De novo. Aprender que amor não se mede e não se compra. E que para um pedaço ruim de nossos dias sempre vai ter algo de muito bom compensando alguma perda.
Estou reaprendendo. Aprendendo com o passado. No final, vou ter novos motivos para viver: estar aqui e receber aqueles que precisarem de mim tão logo tropecem.

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