Pois bem. Eis que me ponho a pensar naquele camarada que passou por minha vida. Um carinha moreno, atarracado e forte, cabelos e dentes branquissimos, dono de uma voz mansa e um caminhar mais manso ainda. Assim era Fábio, o meu amigo cruz-bala, o Cabo Rotam que se foi para outro plano há quase dois anos. 
Pois é;  tanta coisa aconteceu, tantos planos e sonhos foram soterrados nesse periodo. Só um fato não mudou: meu amigo se imolou, por medo, por insegurança, vai saber. Por pressão ou solidão, mas o fato é que morreu. E deixou um buraco enorme no seio de nossa familia. Uma saudade que não passa, mesmo buscando a todo momento os bons periodos que passamos juntos.
Foi ele o cara que na realidade pagou o pato. Foi ele que se foi, prejulgado, condenado e morto por antecipação e, pior, sem nada ou pouco dever no evento que o levou à condição de preso. Um detento incomunicavel, isolado como nenhum outro do contato com aqueles que o amavam, e numa situação como essa, seriam capazes de conforta-lo.
Partiu aquele cara paciente, capaz de perder horas apenas medindo, imaginando como ficaria uma simples escada de madeira. O cara que nunca foi mecanico, mas surpreendia especialistas com suas soluções técnicas para o triciclo dos seus sonhos. O pedreiro esmerado que permanecia por incontaveis minutos apenas assentando milimetricamente uma lajota na parede. O pai zeloso, cheio de mimos e amores com os filhos. O parceiro de conversas longas, interminaveis. O Cara que eu respeitava e que tinha o mesmo sentimento por mim; e que mesmo em total discordancia de opiniões, não se permitia perder o nivel desse respeito conquistado nos dias longos de convivio.
Tudo mudou nesses dois anos. A unica coisa que não mudou foi a tristeza. A dor de saber inutil sua perda. A dor de saber que tudo poderia ser diferente. Uma culpa que não tenho e que ao mesmo tempo não passa. O Cabo Fábio se foi, e com ele minhas esperanças na Justiça e na legalidade. Sobrou apenas a certeza de que dependemos todos dela. E que ela não é tão cega, nem tão precisa.
Meu amigo, queria tanto lhe dizer que cumpri com seu pedido. Que atendi seus apelos e cuidei de todos que você me pediu. Que abriguei sua familia, que assumi seu posto e não permiti que seus filhos se dispersassem. Queria lhe dizer que não falhei com suas irmãs e mãe. Mas não tinha e não tenho seu tato e sua compreensão. Não tenho sua grandeza. E falhei. 
Sobra a certeza de ter lutado com todas as forças para agregar a todos aquilo que pude fazer. E que de uma forma ou de outra, todos sobreviveram, ao contrário de você. E que continuo aqui, pronto para ajudar a qualquer um deles que precisarem de mim.
Fique em paz, meu irmão.

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